"A possibilidade de uma aliança entre "o povo" e a arte pressupõe que os homens e as mulheres administradas pelo capitalismo cosmopolita desaprendam a linguagem, os conceitos e as imagens desta administração, que experimentem a dimensão da mudança qualitativa,que reivindiquem a sua subjectividade, a sua interioridade."
Este trecho da obra de Herbert Marcuse, A Dimensão Estética (1977) ilumina significativamente o repto que lançámos num post anterior. Isto não significa contudo que dentro destas setenta páginas do filósofo («marxista-heterodoxo») alemão -perdoem-nos o rotulismo -, pela qual pagamos 10€ numa loja do grupo FNAC, não existam afirmações e teses que a nossa realidade, subjectiva e interior, relutantemente não refute. Temos aliás a sensação de que dessa realidade, devidamente contextualizada, pouco restará de subjectivo e interior, transformando-se em algo terrivelmente objectivo e exterior. Nós, que não somos ainda «o povo», nem nada que se lhe pareça, podemos e queremos reivindicar a objectividade e exterioridade da nossa condição actual: condição de «artistas» aprisionados numa sociedade capitalista tardia: evidentemente tardia, porque a sua missão histórica está há muito terminada; faltando-lhe apenas ser exterminada.
- Já nada de novo tem para nos oferecer além da reprodução da morte em centenas, milhares, milhões de velharias.
Marcuse estava certo de que as obras de arte são irredutíveis ao espaço que ocupam nas relações produtivos e, nós próprios, também gostaríamos que assim fosse: que esse predicamento marcusiano, visivelmente alicerçado nas potencialidades revolucionárias das obras de arte, estivesse, sem mais, à disposição de todos os que se intitulam, hoje, de artistas (independentemente de isso ser ou não mais ou menos um atributo académico). Mas não basta constatar que se pode ser -ou querer sê-lo ou de como se pode sê-lo - «artista revolucionário», isto é, saber que existirão (algures) obras capazes de abalar os fundamentos da estética e da linguagem capitalistas - ou perguntar-se de que forma se pode fabricar material desse calibre. Material que constitui - diga-se de passagem, e com todas as distorções mercantis, certamente - boa parte do linguarejar repetitivo, delirante e dominante que abafa e assimila imediatamente tudo o que pise o solo sagrado das instituições burguesas. Isso agora, para lá do transtorno que causa, já não importa.
Visivelmente já ninguém pode ostentar ilusão alguma contra o poder de encaixe e absorção da máquina capitalista. Portanto a questão já não se coloca no campo do Como (pintar; escrever; falar; enfim: de como (des)comunicar. A questão só pode ser posta na discussão sobre a renúncia. - Se se quer jogar ou não; Se se quer jogar e segundo que regras.
O que Marcuse propunha já não serve - não sabemos se por a nossa cabeça ter crescido se por a carapuça ter encolhido. Poderá ter servido num momento determinado em que os escritores da burguesia puderam dinamitar a linguagem da sua classe sem precisarem de se afastar (sociologicamente) das origens; poderá ter servido também, um pouco mais tarde, quando uma pequena fracção radical da burguesia se colocou definitivamente ao lado da classe revolucionária. Assim escrevia André Breton in A Posição Política do Surrealismo (1935)
«Então o proletariado, de dia para dia mais ciente da necessidade histórica do seu triunfo final sobre a burguesia, chamava a si, à sua luta, um pequeno número de intelectuais, que o livre exercício da sua razão tornara suficientemente conscientes do devir humano para se declararem em ruptura total com a classe burguesa, da qual, na sua maioria, eram originários. Cabia a estes intelectuais ajudarem o proletariado, instruindo-o de um modo contínuo sobre o que tinha feito e sobre o que lhe restava fazer para atingir a sua libertação.»
- E agora?
Agora talvez seja necessária uma renúncia sem precedentes, uma ruptura que reencontre do lado de fora da esfera mercantil - portanto do lado de fora da esfera para onde foram sugados os melhores espíritos e corpos da nossa geração que, nunca o esqueçamos, já não são em maioria originários da burguesia que gere a Vida como mercadoria, mas antes pelo contrário: a maioria está/estava do nosso lado e é por isso que a situação mereceria ser outra, infinitamente mais perigosa para o queixo do capitalismo que já sabemos não ser de vidro. Dizíamos portanto que já de fora de si mesma - até das margens mais alternativas - e de regresso a casa, isto é, ao deserto absoluto que nos espera para começar de novo, do zero, o rumo interrompido do deperecimento da arte e da sua concretização no seio da Vida Quotidiana; o que não passa por uma pseudo-reconstrução da Internacional Situacionista, do Movimento Surrealista ou de outro avatar qualquer. É que os que armaram as (até agora) derradeiras armadilhas ao capitalismo e à burocracia - falamos dos «filósofos da rebelião» em geral e não apenas dos nossos antepassados («artísticos») - falavam ainda de dentro das possibilidades históricas do seu tempo, que Marcuse tão bem viu.
E nós, o que avistamos daqui? Quais são as possibilidades do nosso tempo?
Por enquanto ficamos por aqui, rasgando da Dimensão Estética a seguinte citação: «A autonomia da arte reflecte a ausência de liberdade dos indivíduos na sociedade sem liberdade. Se as pessoas fossem livres, então a arte seria a forma e a expressão da sua liberdade.»
- Onde paira, hoje -Artistas da nossa geração (se é que existem gerações...) - essa autonomia? Se já não paira, então é porque a arte perdeu até esse posto que Marcuse lhe havia assegurado, de coisa «absolutamente autónoma perante as relações sociais». E se isso lhe sucedeu então já não há mais vida, nem dignidade, lá dentro dessa autonomia com que a arte «protestava» e «transcendia» essas relações.
- A autonomia morreu, viva a autonomia!
Quando rematámos o nosso texto, Art Terror Foundation: Prolegómenos, com a pergunta "De que outra maneira poderá ser demolido o presente perpétuo?" não podiamos prever o reatamento, desta vez nos nossos sonhos, de velhas inquietações teóricas que devemos começar, desde já, a tentar sanar. Ora vem este texto mesmo a horas de nos dar conta da primeira, que chegou assim, para nos catapultar ainda mornos da cama: "Outra maneira (de demolir o presente perpétuo) era pôr uma corda ao pescoço, subir a uma árvore, escolher um ramo bem forte onde instalar o laço, e zás, saltar para o desfecho lógico".
Chegados a este ponto não podiamos serenar os nossos corações sem lhes devolver antes uma reflexão (na realidade um barbitúrico teórico) acerca do suicídio; que, devemos admiti-lo sem reservas, é uma das questões mais preeminentes do actual estágio de desenvolvimento do Arterrorismo, a par, claro está, da própria questão do Terrorismo.
Esta reflexão é urgente pela razão (simples e psicogeográfica) de nós, "artistas" (mantenhamos por conveniência o adorno e por correcção as aspas que o sustentam) - operacionais da Art Terror Foundation -, termos nascido -não só biologicamente (individualmente) mas como grupo (colectivamente) - na região demarcada - científica e folcloricamente - como detentora da mais elevada taxa de suicídio do mundo: o Alentejo. É nestes termos drásticos que nos devemos contextuallizar e começar por interpretar a solução alarmante revelada no nosso sonho.
Na segunda parte do nosso manifesto (intitulada, Das margens do Guadiana ao MoMA) afirmávamos que "Todos os estudos psicogeográficos indicam que no Alentejo, para além dos ocasionais suicídios abjeccionistas, existe uma taxa elevadíssima de nascimentos nado-vivos em estado pré-situacionista, prontos a chuchar na velha teta revolucionária". É de entre estas duas conclusões -duas metades da mesma solução radical para tudo e para nada -, tiradas então de forma totalmente empírica e categórica, que devemos agora partir para um aprofundamento necessário introduzindo novos dados -alguns até com a misteriosa ambição de serem objectivos - que não cabiam na urgência e nos desaforos poéticos internos do nosso manifesto.
Numa altura em que as baixas temperaturas fazem disparar a venda de capotes alentejanos, é um bom momento para divulgar imagens inéditas de performances realizadas (por nós) debaixo de 40º C, em Évora, no festival Escrita na Paisagem, no Verão de 2008.
Cenas da Vida Quotidiana Nº1
Cenas da Vida Quotidiana Nº2
Cenas da Vida Quotidiana Nº3
O primeiro-ministro da República Portuguesa foi à "cidade luz" como convidado de honra de um simpósio internacional. A honra consistiu em ajudar ao lançamento/despejo de algum lixo ideológico - sobre as cabeças dos que sustentam na espinha as crises cíclicas do capitalismo - e sair sorrindo com o sentido de um dever bem parido.
No Jornal de Negócios vêm resumidos em traço grosso -o marcador fluorescente é nosso - os três tópicos ("três lições") do ilustre mestre-conferencista português:
O primeiro-ministro português enumerou o que considera serem as três lições mais importantes que se podem retirar da actual crise, sendo que a primeira conclusão é que os Governos e instituições “souberam responder bem e de forma rápida”.
A segunda conclusão aponta para o “papel insubstituível do Estado” na resposta à crise, que mostrou a importância “do bom e velho Estado” nas políticas de apoio à economia. Muitos “olharam para o Estado à espera de uma resposta” e novo capitalismo “tem que contar com a presença do Estado”, considerou o primeiro-ministro português.
A terceira lição está relacionada com a necessidade de resistir à ideia de que “o pior já passou” e não tomar medidas. “é preciso insistir numa politica reformista para evitar e reduzir os riscos do passado”, disse Sócrates, apelando à necessidade de criar uma nova “ordem económica, ao serviço do que nos faz andar para a frente todos os dias”.
Ora estas três teses, três lições, não são senão as conclusões lógicas e imperativas dos enfermeiros do capitalismo. Devem, para já, ser subvertidas e reutilizadas por aqueles que pensam ter algum interesse em que o lema da cidade que recebeu tão malfazeja conferência não se ajuste para sempre ao modelo económico que os seus promotores consideram insuperável, com maiores ou menores doses de estatolatria.
1) Os governos souberam salvar os bancos, e resguardar os interesses da classe dominante, bem e de forma rápida, ao mesmo tempo que deixaram arder os postos de trabalho, e o "nível de vida", de milhões de pessoas. Fantástico trabalho do "bom e velho estado"!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2)O "papel insubstituível do estado" como ferramenta de manutenção do statu quo; na defesa (com recurso à violência sempre que for necessário) da propriedade privada e dos interesses dos patrões. Sócrates admite, portanto, que o Estado é insubstituível para a manutenção da ordem social vigente. Sócrates andou a ler Engels, e faz bem em recordar a inevitabilidade da luta de classes.
3) A necessidade de resistir à ideia de que o pior já passou, porque o capitalismo ainda aqui está.
Ao contrário de Paris, o Capitalismo - quando as ondas que o sacudem forem suficientemente fortes, isto é, quando vier o grande tsunami social, que não será uma gigantesca onda que varrerá tudo de uma vez, mas sucessivas vagas de pequenas, médias e grandes insurreições -Afundará.
Crying Scene de Jimmy Markum (Sean Penn) em Mystic River de Clint Eastwood, desviada por nós. Sem licença.
Depois das recusas, ou das não-respostas sistemáticas de corporações tão idóneas quanto a FNAC, Continente, AKI e El Corte Inglés, foi a vez da multinacional escandinava IKEA declinar a minha canditura para uma vaga de "colaborador" de call-center que abriram há pouco.
Aqui vai um relatório detalhado da situação.
Depois de navegar pelo site do IKEA, e de ter realizado um teste de compatibilidade com o espírito e a cultura da empresa (?!), que para meu espanto passei com distinção (vá-se lá saber porquê), fui encaminhado para os áridos campos de preenchimento da canditura: dados pessoais, curriculum-vitae, etc.
Para o final estava obrigatoriamente reservada a redacção de uma carta de recomendação que passo a transcrever na íntegra, tal qual, espero, a malta dos recursos humanos da firma a tenha lido: erros ortográficos e sintácticos incluídos.
Exmas. Senhoras e Exmos.Senhores,
Há alguns meses atrás, poucos dias após concluir a minha licenciatura em artes-visuais (Pintura), e uns dias antes de começar o meu mestrado em História da Arte Contemporânea (que actualmente frequento), decretaram-me habilitado a começar uma fulgurante carreira artística, ou de coordenador de visitas guiadas em museus de arte contemporânea. Tal destino profissional não me parece (para já) satisfatório; pois estou preparado para aceitar outros desafios, por ventura bem mais aliciantes.
A julgar pela diversidade da minha formação -a verificar por vós no meu curriculum-vitae - que vai da arte da pintura à da gravura, passando pela escultura e algum design, até à caixa de minimercado, nada me impede que as suas características, conjuntamente com as minhas qualidades humanas inatas (sentido do colectivo e responsabilidade individual), vos possam ser utéis: mal incorpore o espírito e a cultura da vossa empresa e adquira as capacidades necessárias ao desempenho das tarefas às quais me candidato.
Com toda a disponibilidade me despeço por agora, com desejos de um ano de sucessos.
Cordialmente,
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Lisboa, 6 de Janeiro de 2009.
Um dia volvido, ainda eu julgava não ser possível já terem analisado a minha candidatura, e já na minha caixa de Hotmail fumegava a amargamente aguardada nega. Que veio assim, graciosamente, piando fininho com uma bela plumagem eufemística: inaugurada com uma bela citação e tudo (de que ainda hei-de averiguar a autoria).
“É preciso um sonho para criar um conceito de negócio que tenha sucesso, é preciso pessoas para tornar os sonhos realidade”
xxxxxxxxxxxxx, obrigado por ter dado o primeiro passo ao mandar-nos o seu CV!
Desde já garantimos que guardamos toda a informação que nos proporcionou.
Se em futuros processos de selecção, for a pessoa que procuramos, não duvide que iremos contactar novamente!
Atentamente
RH IKEA Portugal
Portanto, camaradas, da minha parte continuamos assim: a assistir a aulas; a estudar; a escrever; a produzir a possível arte dos impossíveis; e a fazer a mala para zarpar daqui com a bagagem teórica revolucionária cheia do que se for encontrando nos corredores estreitos das bibliotecas públicas. Desempregados.
Fiquemos agora, até às horas que nos apetecer - porque aqui não temos compromissos comerciais nem playlists para despachar - na companhia de Pete ("goldenoldiesPete"), interpretando o seu primeiro tema original Unemployment Blues.
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