Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

Sem Título

Um dia destes, numa das minhas cada vez mais raras incursões na qualidade de telespectador, ouvi e vi naquele programa de debate da RTP (Prós e Contras) uma amena cavaqueira entre políticos e agentes económicos e sociais vários, que apresentavam as suas opiniões e teorias sobre como resolver os problemas económicos do país.

 

 

 

A coisa corria dentro da normalidade habitual, sem sobressaltos, até que, quando se proporcionou durante a conversa dizer algo acerca dos trabalhadores e da sua condição… a coisa se manteve exactamente no mesmo tom.

Um barão do PSD começa a discorrer uma ladainha insuportável acerca do «bom trabalhador»; do «esforçado trabalhador português»; «da prioridade que devia ser dado ao (bom) trabalhador português» seguindo, sem tirar nem pôr, a mesma lógica que momentos antes havia utilizado para defender a produção hortícola nacional: devemos, portanto, optar por explorar o zeloso trabalhador português, no mercado de trabalho, como quem escolhe a batata nacional, no hipermercado.

Não me espantou ouvir esta diatribe ideológica da boca de um velho senador da república - experiente empresário e mestre da retórica -, mas sim que o sindicalista e os «homens de esquerda» presentes em estúdio a tivessem escutado (engolido?) sem retorquir um ponto e vírgula, um parêntesis, uma subtil nuance, um «mas». Nada.

Todos de acordo acerca da parábola do «bom trabalhador português».

Ora: - merda para isto!

 Como não me ocorreu nada original para contrapor a esta inquietante unanimidade nacionalista, decidi então fazer aqui uma colagem internacionalista com dois clássicos italianos: um excerto de Gianfranco Sanguinetti, presente em Do Terrorismo e do Estado, e um fragmento de La classe operaia va in paradiso, filme de Elio Petri.

 

Bon Appetit.

 

 

DEDICATÓRIA AOS MAUS OPERÁRIOS DE ITÁLIA E DE TODOS OS PAÍSES

 

«É a vós, maus operários, que endereço este panfleto que, se não esgota as obrigações que tenho para convosco, é no entanto a dádiva maior que nestes tempos vos poderia fazer, pois procurei aqui expressar por palavras essa mesma insubordinação total, estrondosa e salutar que vós exprimis ainda melhor e sempre mais radicalmente através das vossas acções e das vossas lutas contra o trabalho. E se, por ora, nem vós, nem quaisquer outros, podeis esperar mais de mim, sem todavia vos contentardes com menos, não vos deveis vós queixar de não vos haver eu dado mais do que isto. Podereis talvez criticar-me por não ter sabido descrever aqui toda a miséria contra a qual vos revoltais hoje, e que é bem grande, ou por não ter sabido relatar toda a riqueza da vossa revolta, que não é pequena; mas, nesse caso, não sei qual de nós terá menos obrigações para com o outro: se eu para convosco, pois encorajastes-me a escrever o que nunca escreveria por mim mesmo, ou se vós para comigo, pois em o escrevendo, eu não vos teria satisfeito.

   Tomai pois então este Remédio para Tudo como tudo o que se recebe de um amigo, sempre considerando mais a intenção de quem dá do que a qualidade daquilo que se recebe. E a minha intenção é,  tal como a vossa, a de ser nocivo, a de desmascarar os que são pagos para vos enganar e a de privar de toda a reputação aqueles que ainda gozam de alguma. Mas se ataco aqui frontalmente homens hoje conhecidos que depressa serão sepultados pelo olvido ou pelas próprias consequências dos seus abusos, importa-me menos desagradar-lhes do que atingir por intermédio deles todas as instituições desta sociedade, instituições que eles tão bem representam e tão mal defendem, sempre na esperança de, por sua vez por elas virem a ser defendidos. O meu único desejo é o de que uma tal leitura seja capaz de incitar os que ainda trabalham sem protestar, os bons operários, a serem menos bons, e aqueles que, como vós, já se revoltam, os maus operários portanto, a tornarem-se ainda piores.

   Escrever estas coisas contra o mundo é mais fácil do que lê-las, e lê-las é mais fácil do que fazê-las; e quanto a mim, o que escrevo preferiria lê-lo, e o que leio preferia vê-lo e fazê-lo. Apesar de tudo isso, considerar-me-ia como pouco prático se hoje não usasse, para certos fins, a pena um pouco melhor do que tantos outros dizem utilizar as armas, e de maneira, quero crer, menos ineficaz, pois serão as penas que farão trabalhar as armas, e não as armas as penas, como desejariam os propritários desta sociedade e os ingénuos fanáticos da luta armada, que também quanto a isto estão mais de acordo do que julgam.  

   Se vós, os maus operários, considerardes que estes Discursos não são muito inferiores à ambiciosa intenção que vos anima, e que também me anima, não deixarei de na próxima vez fazer pior, incitado por este desejo natural, que foi sempre o meu, de cometer sem qualquer respeito tudo o que possa atingir os donos do nosso mundo, do nosso tempo, da nossa vida. Se para além disso encontrardes nestas páginas uma única razão suplementar para desencadear novos e mais violentos ataques contra todos os que vos oprimem e vos exploram, os burocratas e os burgueses, e para desmistificar com violência que pretendem ainda falar em vosso nome e em vosso lugar, Remédio para Tudo terá satisfeito todos os meus desejos, e eu não saberia desejar-lhe nada melhor.»

 

 

 

engatilhado por Semeador de Favas às 11:13
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De mescalero a 12 de Outubro de 2010 às 13:02
Julgo que ser mau trabalhador deve ser mais do que trabalhar e protestar. Deve ser também ser mau a fazer o que se faz, desde que isso seja mau para o capitalismo e a sociedade autoritária.
De Semeador de Favas a 12 de Outubro de 2010 às 14:04
Totalmente de acordo, Mescalero. Um abraço.
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